EFEITOS RÁPIDOS EM PSICANÁLISE

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O tempo não pára
Não pára, não, não pára

Cazuza e Arnaldo Brandão


A gente quer mudança
Mesmo lá no inconsciente
alguma coisa está clamando por mudança

Gilberto Gil e Celso Fonseca

 

A Conversação Clínica de Muxarabi

No Projeto Análise, Jorge Forbes comenta experiências pessoais de efeitos rápidos da psicanálise, merecedoras de atenção. Outros colegas disseram de experiências semelhantes. Por que não fazer uma conversação para falarmos dessas experiências? Assim, o Projeto Análise em conjunto com o IPLA promovem a

Conversação Clínica de Muxarabi – Efeitos Rápidos em Psicanálise que ocorrerá entre 2 e 4 de dezembro de 2005.

 

Efeitos terapêuticos rápidos

Um tema de atualidade na psicanálise de orientação lacaniana, os efeitos terapêuticos rápidos mereceram, em 2005, conversação clínica, livro, boletins e revistas de psicanálise, em vários países, com destaque na revista La Cause freudienne, nº 61, novembro de 2005, ressaltando o seu emprego nas clínicas sociais. No Brasil, as clínicas sociais, cuja prática buscaria, hoje, efeitos rápidos, onde ontem era o menor custo, são bastante conhecidas há muito tempo e em várias cidades. Na literatura, os mais diferentes efeitos terapêuticos rápidos começam a serem evidenciados em relatos de casos clínicos. Alguns deles foram discutidos na Clínica-Escola do IPLA. – “Como manter o seu efeito?” Eis a nova questão, destacada por Forbes.

Embora as clínicas sociais tenham tradição no Brasil, hoje o interesse renovado pelo tema é uma resposta à reivindicação por efeitos rápidos desse homem apressado do mundo globalizado, defendem alguns. As terapias cognitivo-comportamentais (TCC) ganham espaço oferecendo eliminação de sintomas em curto espaço de tempo. Elas têm recebido, inclusive, reconhecimento do Estado. A psicanálise que, devido aos pós-freudianos, se mantinha fechada nos consultórios, encapsulada em suas regras de quatro sessões por semana, sessões de 50 minutos ..., já rompe com essa tradição em 1951, graças a Lacan. Retornando a Freud e indo além, ele oferece ao mundo uma psicanálise que responde às demandas atuais, influenciando, inclusive, outras abordagens psicanalíticas. No mundo contemporâneo a psicanálise não se limita ao consultório. Ela se faz presente e eficaz nas instituições hospitalares, escolares, empresariais, artísticas, etc.

A Escola da Causa Freudiana leva a psicanálise à cidade, oferecendo tratamento gratuito, cria o Centro Psicanalítico de Consulta e Tratamento (CPCT). Na França, com o relatório do INSERM e com a emenda Accoyer defendendo as TCC, surgiram os Fóruns Psy, um movimento anti-TCC, liderado por Jacques-Alain Miller. Uma decorrência disso foi o interesse e divulgação dos efeitos terapêuticos rápidos, uma dimensão própria da experiência lacaniana. É da política lacaniana. Se Freud alertava que os analisantes não tomassem decisões importantes durante o tratamento é porque ele reconhecia seus efeitos rápidos e que a pessoa poderia vir a se arrepender de alguma decisão. O caso Katharina, de Freud (1893) é o primeiro exemplo de efeito rápido em psicanálise.

 

Centro Psicanalítico de Consulta e Tratamento

Os efeitos terapêuticos rápidos dizem respeito à psicanálise aplicada. Eles podem incidir tanto no sujeito como na instituição, cuja demanda ao analista é de efeito terapêutico rápido. Os Centros Psicanalíticos de Consulta e Tratamento (CPCT), um gênero de clínica social, que atendem em período de tempo mais ou menos limitado, são estruturados com base no tempo do encontro do sujeito com o que o causa. Estes Centros têm verificado efeitos terapêuticos rápidos.

 

Análises cíclicas

Um tema que se relaciona aos efeitos terapêuticos rápidos e aos CPCT é o das análises cíclicas, em que pontos de capiton fecham um ciclo da análise e funcionam como efeitos terapêuticos ao darem ao sujeito um novo ponto de referência. Geralmente a pessoa interrompe o tratamento e retorna num outro momento, com outra questão e percorre outro ciclo. Isto tem uma lógica que envolve o tempo do encontro do sujeito com a causa. A cada ciclo o mesmo encontro se repete, mas é uma repetição do novo, de uma nova forma. No CPCT pode ser formulado o primeiro ciclo desse encontro. Não se trata de fatias do tratamento, mas de ciclos que indicam que a análise é finita e que pode terminar várias vezes. Os efeitos terapêuticos rápidos seriam como uma análise em redução.

 

Apresentação de paciente

Os efeitos terapêuticos rápidos também se fazem sentir em apresentação de paciente. É um momento privilegiado em que um analista pode fisgar o real com a palavra dando ao sujeito uma possibilidade de rede de segurança. O caso da apresentação de paciente realizada por Forbes, neste 18 de novembro O homem que come fezes. O paciente atribui seu sofrimento à morte do filho. Relata que, ao encontrá-lo morto no chão, com os miolos para fora, os reintroduz na cabeça. Mais tarde, relata que come fezes com açúcar. O analista desloca o fato de reintroduzir as fezes no corpo para o de reintroduzir os miolos do filho morto no corpo. Comer fezes como uma forma que esse homem encontrou de lidar com a angústia em relação à morte do filho. Um tratamento ao luto, que ele oferece também à esposa. Ele procura a legitimação, através da esposa, de que fezes são iguais a miolos. Fezes como um S1 que não desloca para S2. Aparentemente este paciente, psicótico, não pôde elaborar esta metáfora. Somente no aprés-coup se poderá verificar o efeito dessa única conversa.

 

O que é efeito terapêutico em análise?

A psicanálise não considera o bom para todos, nem a divisão bem e mal. Isso é próprio de muitas psicoterapias, que se preocupam em predicar o efeito terapêutico. Fazer o que o Outro quer é o bem. Lacan, ao se interrogar como cada um se vira com o real, fala de um ponto triplo, Y, em que a uma divisão do bem e do mal, ele opõe uma outra divisão a partir do bem, entre o neutro e o mal. Ele subverte o sentido, muda a orientação da escolha entre o bem e o mal. Este ponto triplo é o real (Malengreau). Tratar o gozo, não pelo sentido, pela voz do bem, mas pela responsabilização do próprio sujeito. Ao mal (gozo) o analista diz não. Frente ao bem ele se mantém neutro. A neutralidade do analista é justamente esta subversão do sentido, a saber, esta espécie de aspiração, não em direção ao real, mas pelo real. O analista deve tomar distância do desejo de curar, para que o efeito terapêutico não desminta o real em jogo na experiência analítica. Os efeitos terapêuticos fazem parte da análise. Quem se manteria nela se não os experimentasse?

Quem diz que houve efeito terapêutico é o sujeito. Não se tem em psicanálise uma definição de efeito terapêutico válida para todos, assim é preciso verificar o que seja terapêutico em cada caso, o que implica na singularidade de cada sujeito. Verificar se o sujeito não se fecha em uma nova identificação. O que importa não é tanto a modificação do sintoma, mas a implicação do sujeito. Isto marca diferença com as psicoterapias que se colocam no lugar de predicar o efeito terapêutico.

“Deixar-se aspirar pelo real quer dizer se deixar aspirar por estes efeitos terapêuticos mesmo que eles atirem o sujeito para além de si mesmo, ao risco de se tornarem um dia obsoletos. Seu destino é imprevisível. Consentir nisso faz parte dos efeitos terapêuticos.” (Malengreau, p. 63)

Se o efeito terapêutico é objeto da demanda do sujeito, o efeito terapêutico rápido é objeto da demanda do sujeito da civilização do instantâneo, diz Miguel Bassols, em que o tempo para compreender dá lugar ao imediato do gozo.

 

Urgências subjetivas

Tema também da atualidade, relacionado aos efeitos terapêuticos rápidos, é o das urgências subjetivas. Estas apresentam o paradoxo de que, ao mesmo tempo em que demandam um efeito rápido, travam batalha com a demanda de satisfação imediata.

 

Terapias breves

As terapias breves são focais, sendo o conflito focal determinado pelo motivo da consulta. Faz parte da técnica o terapeuta exercer papel ativo, motivar e demonstrar compreensão da problemática do paciente, assumindo, muitas vezes, uma tarefa pedagógica. Tem duração limitada ou objetivo limitado. Compara o resultado visado com o resultado efetivo. Malan e Balint insistem sobre a necessidade da interpretação clássica da transferência em referência ao Édipo e ao passado. (La Sagna)

Diferentemente, os efeitos terapêuticos rápidos em psicanálise, obtidos do encontro com a causa não se confundem com terapia breve, mas sim, nos fornecem a estrutura mínima da experiência deste encontro. Não se trata de procurar o analista para encontrar a causa e dela se curar, pois, deste encontro, não se cessa de não curar. Tal é o efeito que a psicanálise deve saber produzir hoje, face à invasão das falsas promessas terapêuticas. (Bassols)

 

Os efeitos rápidos em psicanálise

Para Freud o efeito terapêutico não estaria diretamente ligado à causa (inconsciente), ele é obtido por acréscimo, um efeito colateral em relação ao trabalho analítico, em sua batalha com a satisfação pulsional. O efeito terapêutico como objeto da demanda do sujeito é o efeito terapêutico rápido e difere do efeito terapêutico que decorre de um encontro com a causa, já que este encontro não necessita, não reclama efeito terapêutico, efeito que vem sempre por acréscimo.

Talvez não seja pertinente à psicanálise dizer de seus efeitos terapêuticos. Os efeitos da psicanálise são sempre psicanalíticos. Terapêutico é um termo da medicina e implica em juízo de valor, na bipartição saúde / doença, bem / mal, certo / errado. Seria tomar o real pelo ideal. Seria, tomando Weber, ficar na ética de princípio. A psicanálise não visa predicar o bem e o mal, que implicaria na morte da humanidade. Forbes remete seus ouvintes ao Génesis, onde havia a árvore do bem e a do mal. Sabemos a que isso levou.

A clínica do significante, cujo final de análise é baseado na travessia do fantasma, exige muito tempo de análise. Envolve explicação e um cálculo lógico. A clínica do real, Forbes insiste, não exige tempo longo, ela tem efeitos rápidos, porque ela é baseada no ato analítico. A felicidade, um motivo possível de final de análise na segunda clínica, envolve afirmação pelo sujeito. O tempo não pára, como diz Cazuza. Prevalece a ética da conseqüência.

 

Referências Bibliográficas

Bassols, M. - Rencontrer la cause, La Cause freudienne, nº 61, nov. 2005, Navarin Éd.

Cazuza e Brandão, A. – O tempo não pára.

Forbes, J. - Projeto Análise – Módulo II, 2005.

Forbes, J. - Apresentação de Paciente, 18 de novembro de 2005, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.

Freud, S. (1983) - Casos Clínicos – Katharina, Obras Completas, vol. II, p. 173, Rio: Imago, 1974.

Gil, G. e Fonseca, C. – O eterno Deus mudança.

La Sagna, P. – Thérapies brèves ou thérapies “autofocus”, Lettre Mensuelle, nº 236, 2005.

Malengreau, P. - Le Neutre et le thérapeutique, La Cause freudienne, nº 61, nov. 2005, Navarin Éd.

Miller, J.-A. e outros - Efectos terapêuticos rápidos – Conversaciones Clínicas con Jacques-Alain Miller en Barcelona, Paidós, 2005.

 

Elza Mendonça de Macedo

São Paulo, 22 de novembro de 2005