“Eu te batizo, Real, a ti, enquanto terceira dimensão...”
“Eu te batizo, Real, por que se não existisses, seria preciso inventar-te.”
J.Lacan (1973a)

“Digo sempre a verdade. Não toda... pois, dizê-la toda, não se consegue... . Dizê-la toda é impossível, materialmente... faltam as palavras. É justamente por esse impossível... que a verdade toca o Real.”
J. Lacan (1973b)

“O que é o Real? É a pergunta que não se deve fazer porque até a forma como ela se apresenta não convém ao Real, tal como se impõe - ao menos segundo Lacan – de elaborá-la na experiência analítica.”
J. A. Miller (1998)

“O Real pode ser percebido como algo duro, impossível de ser captado por qualquer instrumento da realidade ou da virtualidade – palavra ou imagem - o que faz com que todos estejamos um pouco fora do caminho. Há uma pedra que nos desvia. A ninguém é dado o direito à certeza de sua percepção. Se delirar, etimologicamente, quer dizer,’sair do caminho’, todos deliramos.”
J. Forbes (2005)

O Real não engana

Difícil tarefa escrever sobre aquilo que jamais se compreenderá.
A obra de Lacan permanece aberta deixando a impossibilidade objetiva da certeza, do concluir. Lacan pensa o sujeito despido do saber, do significante, do sentido.
O discurso com o seguimento contínuo da fala promovido pela voz, formando um sentido lógico e ordenado não é o que conta.
Somente o discurso com ausência de sentido, desencaixado, poderá abrir uma via de acesso para o Real. O Real que é totalmente fora do compreender e do saber.
O Real batizado por Lacan e por ele representado como o nó borromeano.
O Real é destituído de racionalidade, não se coaduna com a realidade e por isso não pára de não se incluir, voltando sempre na correnteza do significante, para dela escapar.
O Real é o insólito, a quebra de joelhos das nossas certezas, o que desfaz a arrumação das nossas defesas. Algo se despedaça, se rompe, abrindo-se um espaço.
O Real é de cada um. É uma assinatura.
No último ensino de Lacan, o significante e o significado são só semblantes do Real.
Repletos de imaginário e de identificação, procuramos uma análise em busca da verdade, nos defrontamos com a desilusão e acabamos sendo laçados pelo Real.
O Real é imperativo sobre a verdade que é tecida dentro do sentido.
Lacan foi além dos limites do inconsciente freudiano fazendo com que ele, o inconsciente, ficasse apenas como um monólogo ecoando no semblante, na defensiva do Real.
“Desarrumar a defesa é a orientação maior da prática que se segue ao último ensino de Lacan. O coração, a matriz da operação analítica... ” (Miller, 2002).
O significante, que é passível de mentir, faz com que na mentira não haja um desligamento total entre o Real e o sentido.
A mentira traz à tona o simbólico, determinando seu caráter.
Podemos, então, concluir que enquanto o simbólico mente o real não engana.
Eu escrevo para falar aquilo que não pode ser dito. Para compreender o que jamais saberei. Na tentativa impossível daquilo que escapa.

 

Bibliografia

FORBES, Jorge et al - A invenção do futuro: Um debate sobre a pós-modernidade e a hipermodernidade , Ed. Manole, 2005, pgs. 101-102.

LACAN, Jacques - Seminário 21 – Les non-dupes errent (não publicado) – Aula 3, 18 de dezembro de 1973a.

LACAN, Jacques – Televisão – Emissão para o Serviço de Pesquisa do ORTF, 1973b - DVD.

MILLER, Jacques-Alain - O Real é sem lei, Opção lacaniana, nº 34, 2002.

MILLER, Jacques-Alain – A experiência do Real na cura psicanalítica – Aula 1, 18 de novembro de 1998 (Tradução E.B.P.).

Maria Teresa Tavares de Miranda
São Paulo, 25 de novembro de 2005