ÓDIO AO SUCESSO

Jorge Forbes

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Fazer sucesso é muito perigoso e não só no Brasil, como alardeava Tom Jobim. Se não, vejamos: o que são aqueles gatos pingados, miando e balançando cartazes à frente do tribunal que julgou Michael Jackson, confrontados aos 30 milhões que em um mês compraram um dos discos do cantor, só um dos discos? Sei lá se Jackson é inocente ou culpado - que é estranho, ninguém discute - o que comento não é a temperatura, mas a sensação térmica. A sensação é que havia uma torcida muda pela sua condenação. Tudo em uma mesma semana: o julgamento do “Bad” Michael, a queda de Tyson, o choro do Pelé.

Os medíocres devem estar festejando, pensando que a derrota faz todo mundo igual, que humaniza. Triste visão da humanidade.

Houve um diretor de cinema, um bom diretor tido como ‘cult’, que cometeu um artigo dando graças às lágrimas do Rei da Bola, lágrimas que “finalmente”, ai!, finalmente o faziam mais humano, mais próximo. Ora, cineasta, as alegrias que Pelé proporcionou foram muito mais pela demonstração que o impossível é mais distante, que o equilíbrio é mágico e a visão é panorâmica, que pelo embaço de um problema familiar. Sim, nisto somos todos iguais ao Edson, nos problemas familiares, mas de Edson a Pelé, só um conseguiu chegar.

E Tyson? Lembremo-nos do ridículo da acusação de assédio sexual que ele recebeu, no auge do cinturão de ouro, quando aquela pobre e inocente donzela, tendo invadido seu quarto em uma madrugada, foi se queixar pela manhã dos impulsos sexuais da fera. E Tyson foi preso.

A lista não pára aí. O jovem e brilhante maestro Roberto Minczuk, imediatamente após ser ovacionado na Sala São Paulo, pelas divinas três horas e meia da Paixão Segundo São Mateus, de Bach, teve seu camarim penetrado por um advogado desajeitado, portador de uma carta do regente titular, retirando seu convite para os próximos concertos. Minczuk viveu na pele a paixão segundo Mozart, pois Salieri ainda não morreu. Salieris são imortais.

Fazer sucesso é muito perigoso para quem faz e para quem aplaude. Para este, para o público – o honorável público – alguém fazer sucesso é prova da possibilidade de ir além do lugar comum, da repetição, da virtude fácil. Quem faz sucesso incomoda independente do tamanho da platéia: desde a pequena comunidade de uma família, o irmão que faz sucesso paga caro pela ousadia.

O sucesso também é perigoso para quem o alcança: ele gera uma crise de identidade, fácil de compreender. Quem faz sucesso se destaca – falamos em obter “destaque” – se destaca do que? Do grupo, da sua comunidade, e como a identidade humana se estrutura na relação com o outro, o semelhante, o bem sucedido entra em crise. Daí a máscara que alguns têm como única solução, vide os mascarados Romários e Ronaldos.

Chegar ao sucesso é um problema; suportá-lo, sim, suportá-lo é um problema muito maior. Depende da pessoa conseguir passar a estruturar a sua identidade no seu desejo e não mais no olhar do outro. Jackson e Tyson não conseguiram; Pelé conseguiu, apesar das lágrimas e não por causa delas. A cura do ódio ao sucesso não se vende em farmácias.