“Opinião Nacional” - Jorge Forbes na TV Cultura - SP
entrevistado por Alexandre Machado (ao vivo em rede nacional no dia 30 de março de 2006).


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Por ocasião do lançamento do livro “Somos ou Estamos Corruptos?”, com as reflexões de 50 personalidades no evento DNA Brasil, em outubro do ano passado, em Campos do Jordão, Jorge Forbes, que participou do encontro e é co-autor do livro, foi entrevistado por Alexandre Machado.

AM – Você, Jorge Forbes, um psicanalista lacaniano, como analisaria a criação de uma nova língua para explicar o que está acontecendo? Como você vê essa produção de desculpas e de eufemismos que cercam esse momento brasileiro?

JF – Vejo da seguinte maneira: Essas formas mostram que as pessoas estão dando respostas na superficialidade da língua, onde as palavras não querem dizer mais nada – o pacto social está rompido, as pessoas não se sentem mais ligadas, não querem responder, nem assumir a responsabilidade frente ao outro. É o deboche, o absoluto desrespeito ao pacto social. Eu vejo que o brasileiro desacredita do pacto social.
Como psicanalista, digo que a gente sempre cede um pouco da nossa satisfação para o outro. Todos nós cedemos alguma coisa para estar com o outro, para fazer a sociedade, para fazer o Brasil. Quando começam a ver que os brasileiros fazem o pacto e um grupo, uma “camarilha” faz um outro tipo de vinculação de absoluto desrespeito a todos nós, dá uma sensação de descrédito. E se a gente deixar, vai ficar cada vez mais rompido o tecido brasileiro; cada vez mais as pessoas se fecham em seus clubes, em seus condomínios, em seus carros blindados e em seus sítios com cercas elétricas.
A meu ver, estamos aqui para debater esse tema, para dizer não a esse estado de coisas, que o pacto social é sim possível, e que o que não é mais possível é continuarmos a aceitar o ataque que estamos sofrendo.

AM – Nós estamos piorando realmente ou a democracia que está se constituindo no Brasil está permitindo a visualizar como a sociedade sempre se comportou, principalmente as relações no plano do governo? Acha que estamos “na descendente”?

JF – Não acho que estamos “na descendente”. Eu teria vários níveis de resposta para essa pergunta. Mas a primeira coisa que me ocorre é que as pessoas estão se conformando com a situação de hoje – a corrupção existe, mas ao mesmo tempo está sendo denunciada e isso seria um atenuante. Acho ruim esse argumento porque leva a uma sociedade cínica, a uma sociedade do “não adianta”. O que vejo é que nesse momento tínhamos uma esperança de convivermos claramente num pacto que não existia. E estamos horrorizados com o que está havendo; mas isso não adianta – temos que agir. Nós perdemos uma esperança muito importante.
Acho que esse é o grande momento da sociedade civil, de tomar nas mãos essa responsabilidade. Inclusive parar de esperar que o país seja feito pelos governantes – o país é feito por todos nós. É um banho de cidadania, nesse sentido, muito positivo.


AM – O fato de o brasileiro ser aparentemente indisciplinado, irreverente, e não seguir as leis com muita seriedade; isso nos condena a sermos um país corrupto, de ladrões e de larápios?

JF – Acho que não. Espero que não. Mas eu gostaria de responder em três níveis:
1. Nós estamos corruptos? – Acho que não, porque estamos numa quebra de pacto social.
2. Somos corruptos? – De certa forma o brasileiro tende a achar que sim, e a nossa história é complicada. O país começa como colônia, portanto, começa num pacto social quebrado. Depois continua como uma sociedade escravocrata, que podemos dizer, não é uma sociedade justa; isto é, quando o quinhão que cada um dá, o outro também dá e então se pode fazer um pacto de modo que as pessoas se sintam bem representadas e que sua doação receba a recompensa dessa participação. E depois, uma série de governos de ditadura. Isso leva a uma conclusão que temos poucas experiências de cidadania e democracia.
3. Será que a resposta a esse estado de coisas seria perdermos todas as nossas características, fazendo uma vigilância nacional absoluta? Isso seria uma ortopedia no país, que são as soluções dos estados totalitários. Em última análise, isso leva, por exemplo, a concordar com aqueles que querem a pena de morte, achando que isso resolveria o problema. Então, cuidado! Porque nosso desejo de consertar as coisas pode levar a um movimento reacionário. Acho esse ponto ruim. Há um aspecto interessante do brasileiro, que, com o seu “jeitinho”, sabe se organizar de uma outra forma que não as formas verticais hierárquicas. Quando dizem que o brasileiro é muito passivo porque não está reagindo fortemente, que está acostumado a esse nível de corrupção – há uma outra forma de ver: o brasileiro aponta uma saída, uma nova forma de organização social. Embora não seja esse o tema em questão, acho importante analisa-lo, porque ele pode apontar a novas formas de laço social que o mundo globalizado está pedindo.
Há crise nos Estados Unidos da América, na França, na Itália. A meu ver, nós tínhamos que positivar essa forma do conhecimento brasileiro e extrair disso um novo conhecimento que pode ser muito importante para o Brasil e talvez para o mundo. O argentino sai da Argentina e o brasileiro fica aqui. Essa insistência do Brasil e que faz com que, afinal de contas, esse sofrimento não seja tão grande quanto deveria, onde está essa felicidade, onde isso se extravasa? Não é pelo crime, pela Rocinha. Acho que é por formas que necessitam melhor resposta que essa.

AM – Eu me preocupo muito nessas horas em que o país fica indignado, justamente indignado. As coisas são descobertas e essa indignação se volta muito para as pessoas, quando na verdade, não são tanto as pessoas, são as atitudes sociais, senão acharíamos que o brasileiro é mais corrupto que os americanos, os franceses, etc. Você concorda com isso?

JF – Concordo plenamente. Eu acho que nós precisamos dar uma resposta imediata à população; a população pede isso. Inclusive nossos amigos juristas têm que rever esse formalismo – a população não agüenta mais isso. Nós necessitamos uma mudança importante.

Sinopse de Teresa Genesini