Desautorizando o sofrimento – o vírus RC

Abertura do Seminário ‘A clínica como ela É – DESAUTORIZANDO O SOFRIMENTO’, 10 de setembro de 2007, no Centro de Estudos do Genoma Humano, USP

por Jorge Forbes

(Link para vídeo sobre a conferência ao fim do texto)

 

Nos dias de hoje, as pessoas recebem notícias sobre si mesmas, como cartas que as surpreendem em sua identidade. Sabemos, por Lacan, que cada um recebe a sua mensagem, no sentido invertido, do outro. É como dizer que retorna sobre nós a expectativa que temos sobre o outro.

Isso é surpreendente porque nem sempre nos é tão clara a forma do pacto que estabelecemos e o que faz com que o outro nos devolva nossa mensagem. Se isso já não era claro, agora o é menos ainda, porque existe um outro que capta nossas mensagens, sem que saibamos que estávamos emitindo algo. São mensagens, por exemplo, genéticas, que o outro capta e nos diz: “Steinert’, ‘Ataxia cerebelar’ e outros nomes, que nos batizam: “Você é isso”. Ao receber essa resposta, as pessoas não têm o menor registro do que ela significa. E, de repente, se dão conta de que elas são ou serão aquilo. Isso funciona, como diria Freud, tal qual um ‘estranho familiar’ – uma coisa muito esquisita (umheimlich, em alemão). E essa coisa esquisita não pode ser deletada.

É possível deletar uma mensagem que nos chega da Internet, apertando a tecla ‘Delete’. Entretanto essa é uma mensagem que não conseguimos deletar, e, por essa razão, angustia. Para acalmar essa angústia, busca-se, nas prateleiras da sociedade, alguma roupa pronta para vestir, para se proteger dessa surpresa. Essas roupas são mortalhas que fixam as pessoas numa posição e as levam à resignação. Essas mesmas roupas fixam suas famílias numa outra posição, a da compaixão. Temos, então, de um lado, a família com compaixão, e, de outro, a pessoa resignada. Desse fenômeno, extraímos a sigla RC (resignação e compaixão). É um vírus social, que, aparentemente, cuidando da surpresa causada pelas novas identidades, provoca três pioras: do estado imediato do paciente, da progressão da doença e do estado da família. É um malefício, porque tira ou impede às pessoas se inventarem de uma outra forma, convidando-as a se alienarem em quadros ‘prêt-à-porter’.

Pretendemos retirar o vírus RC do paciente e a isso denominamos ‘Desautorizar o Sofrimento’. Desautorizamos o sofrimento ‘prêt-à-porter’, o sofrimento ‘pronto para vestir’. Ao fazê-lo, é exigida a responsabilidade de cada um sobre o encontro e a surpresa, mesmo que estes possam ser vividos como um mau encontro.

O que fazer, portanto, frente aos bons e maus encontros?

Por ambos, temos que nos responsabilizar.

(texto estabelecido por Teresa Genesini)

Vídeo sobre esta conferência