O massacre no cinema e as novas epidemias no século XXI

Elza Macedo

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Vivemos uma era em que impera o triunfo do inusitado. Contagiosas, as epidemias se disseminam sem justificativa ou explicação

        Aurora, 20 de julho de 2012. Rapaz de 24 anos atira em espectadores de “Batman”. Mata 12 e fere 58. Planejava muito mais, considerando as 6.000 balas e a quantidade de explosivos que adquiriu. Nenhuma resistência à prisão, nenhuma explicação sobre o ato. “Era um garoto superlegal”, comentaram os colegas.
       De quem é a culpa? Do cinema, que retrata a violência com tanta indiferença? Das leis norte-americanas, que facilitam o acesso a arma de fogo? Imprensa e autoridades se apressam em encontrar uma razão para a matança. Estamos todos embaraçados com a falta de pistas para significar.
      A tragédia em Aurora é mais um episódio do que Jorge Forbes chamou de violências inusitadas, ou seja: “assassinatos que causam choque pela brutalidade associada ao inusitado.” Ela remete a tantos outros massacres, nos Estados Unidos, na Noruega, no Brasil. É algo epidêmico, que contagia, mas não por razões discursivas – não existe discurso que sustente isso. É o triunfo do inusitado.
       Vivemos uma era de transmissão por contágio. Quase tudo “pega”, e não apenas as violências inexplicáveis. Quer ver? Quem não conhece uma pessoa que não tenha feito cirurgia bariátrica? Ou um estudante indiferente ao fracasso escolar? Ou alguém que se autoflagelou? E o que dizer da epidemia de Medeias? Mulheres usam os filhos como armas para se vingar dos maridos.
      Essa era epidêmica determina novos laços sociais. Twitter e Facebook são a nova Ágora. Quer ser meu amigo? Pessoas que você talvez conheça. Veja o perfil de fulano, sete amigos em comum. “A festa está tão legal. Vou twittar para lotar”.
      Como um bocejo. Pegou em você também?
      O psicanalista tem de estar ligado a essas mudanças ao dirigir o tratamento de seus analisandos. Os velhos sintomas eram vistos à luz do Édipo e prestavam-se à interpretação. Já os novos sintomas passam pelo curto-circuito da palavra. Não há explicação. “Fiz porque fiz.”
       Como hoje o pai já não é a bússola que foi na era da invenção da psicanálise por Freud, o homem desenvolve novos sintomas: violência inusitada, bulimia, fracasso escolar, escarificação, abuso das cirurgias... A fragilidade do laço social dá margem às epidemias sintomáticas. E tem solução? Tem, mas não num retorno aos valores do passado. Que cada um invente e se responsabilize por sua forma de viver, a partir de sua singularidade e suas circunstâncias.