AS DUAS CLÍNICAS DE LACAN

Sinopse da aula inaugural de Jorge Forbes

6 de março de 2006

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1) Sobre a Psicanálise

No Brasil há uma classificação das melhores faculdades, dos melhores colégios, etc...

Na psicanálise não é bem assim. Por que não? Porque nenhum conceito da psicanálise é testável. Nem o inconsciente, nem o consciente, nem o grande outro, nem o sujeito do significante, nem a transferência, nem a contratransferência. Insisto: nenhum conceito da psicanálise é estável e portanto nenhum conceito da psicanálise é universalizável, e portanto, nenhum conceito da psicanálise pode ser apresentado no que se chama de “discurso universitário”; e portanto, nós não temos maneiras de comparação que nos desse a escola e a escala ou a escola da escala.

Não é possível na Psicanálise determinarmos a excelência pela comparação de escalas comparativas universais. Isto posto, o melhor instituto de psicanálise chama-se divã – o mais brilhante instituto de psicanálise. Ele não foi substituído, nem ultrapassado, não existe transmissão da psicanálise se não for no trabalho efetivo de uma análise pessoal. Nenhuma outra coisa se compara com o “se por em questão” pra valer, com freqüência, com conseqüência – e aí sim, nós podemos dizer que se transmite a psicanálise. O resto é pra gente mais conhecer do que uma psicanálise se valeu. Essa afirmativa vale a pena repetir, quando a frase é de Jacques Lacan: Estamos aqui até mais para saber do que uma psicanálise no divã se valeu.

A essência da Psicanálise sempre escapa à palavra.

Uma psicoterapia fixa a pessoa numa identidade. Ela age na ética médica: na medicina há prescrição, curativos.

A  psicanálise quebra todos os curativos, todas as identidades; quebra todas as expectativas de que o Outro nos compreenda.

A Psicanálise tem a ver com o que há de mais atual, que é o que nos interroga mais e nos mantém acordados.

 

2) As clínicas lacanianas

A primeira clínica de Lacan – um retorno à Freud: nessa clínica o analisando aprendia a se conhecer e fazia análise para conhecer-se melhor e agir com mais segurança.

Essa clínica funcionou bem até os anos 70.

Lacan começou a perceber que essa clínica funcionava cada vez menos do que devia e inicia uma mudança.

Formaliza então uma nova clínica: a segunda clínica – além de Freud.

As relações sociais começaram a mudar na década de 70 – deixam de ser verticais e começam a se horizontalizar. A estrutura edípica, construto do final do século XIX, começa a não responder com a mesma força e exige uma psicanálise além do édipo, além do pai, além da identidade vertical.

A segunda clínica pode ser caracterizada como uma clínica borromeana (três anéis que se entrelaçam e que se um deles se solta provoca a dissolução do nó - símbolo da Família Borromeu). É a clínica do Parlètre (que se antepõe ao sujeito) e do Gozo (que se antepõe ao desejo), em que o sintoma não é nem social nem decifrável, mas autista.

Na primeira clínica: mais saber, mais ação justificada no Outro.

Na segunda clínica: menos saber, mais ação apostada ou arriscada.

A gente nasce na expectativa do Outro (por que me chamo João, Maria?) e faz análise para sair da expectativa do Outro, mas muitas vezes entra na expectativa de um Outro mais complacente (o analista complacente). A gente faz análise para ter honra, diz Lacan (seminário XVII – Conversa com os estudantes de Filosofia).

 

3) Freud – o  início da Psicanálise e Lacan

A psicanálise é prosaica, é da carne, é do corpo. A gente se queixa ao analista o que a gente tem vergonha de se queixar ao médico.

Foi assim que começou: Freud descobre que existe alguma coisa diferente que domina o corpo humano, algo diferente daquilo que ele pensava, do que a neurologia tinha pensado. A neurologia tinha uma lógica.

A isso que dominava o corpo Freud chamou de inconsciente. Descobre que existe uma estrutura simbólica que domina a existência humana e que vale a pena tratar dela.

O tratamento da cura pela palavra – a primeira clínica de Lacan. Freud viu que isso funcionava com as histéricas. E ele começa a descobrir através dos sonhos (A Interpretação dos sonhos – capítulo 1) um método de falar tudo o que vinha à cabeça, inspirado pelo tratamento de sua paciente Ana O, a cura pela palavra.

Descobre ainda que essa estrutura que funcionava nas histerias, fobias, obsessões e delírios, também ocorria nos estágios oníricos. Daí vêm os termos: conteúdo latente, inconsciente, pré-consciente, consciente, regressão, repressão – sobre os quais Lacan se volta, sobretudo dois, a saber: condensação e deslocamento. Jacobson, mais tarde, relaciona condensação à metáfora e deslocamento à metonímia.

A releitura Freudiana de Lacan retira o fascínio que as pessoas sentem pelo conteúdo do sonho voltado ao estudo da estrutura do sonho e como essa máquina funciona.

Lacan diz que essa máquina funciona como metáfora. Ela repete um sentido primeiro representado pela ordem maior que é o pai e que mais tarde, Lacan faz equivaler ao pai, chamando de metáfora paterna.

A metonímia, oposto da metáfora, insiste no mesmo sentido – a metonímia é o deslocamento contínuo do sentido. E então Lacan diz que a histérica sempre deseja uma outra coisa – pelo deslocamento. O obsessivo está sempre no mesmo ponto enquanto a histérica está sempre na diferença.

Freud começa a observar o cotidiano da vida das pessoas e percebe os atos falhos. Começa a catalogá-los e percebe que somos trapaceiros da existência. Em 1905 Freud fecha o primeiro momento de sua obra. Abandona Charcot e propõe uma lingüística antes de Saussure. Escreve os três ensaios sobre a sexualidade. Somos seres sexuais, afirma. A nossa humanidade resolve tudo menos a relação da sexualidade. Não existe a relação perfeita, ela não é traduzida e não consigo fazer a justa comparação, conclui.

Muitos anos depois, Lacan vai sintetizar a descoberta de Freud em uma frase: Não existe relação sexual – que complementa com o fato de que se não existe relação sexual, da minha posição de sujeito, eu sou sempre responsável. Quer dizer, da minha posição de me deparar com a falta do justo valor onde se engrena a sexualidade, se eu não quiser dar resposta mentirosa (isto é, patológica), então:

O obsessivo mente – porque o que não está dentro do seu domínio não existe, não importa. Ele diz que é possível dominar todas as coisas, pois ele as domina. O que ele não domina é porque não lhe interessa. Essa é a lógica do obsessivo. Ele mente.

A histérica mente – porque ela diz que existe relação sexual. Ela mente dizendo que existe uma relação em algum lugar, só que não é você.

Os quadros clínicos são as mentiras sobre o fato da existência da não relação sexual.

O novo ciclo se inicia com o texto “Mais além do Princípio do Prazer”. E aí Freud abre uma nova perspectiva, da qual a segunda clínica lacaniana toma os termos (EDEN):

Estrutura

Dinâmica

Extensão

Natureza

 

4) Aonde chegar?

Onde tem pra se chegar?

A levar cada um a dar uma resposta singular e suportá-la no mundo.

Cada um tem que gerar uma resposta única à falta da existência da relação sexual.

A única identidade que a gente reconhece na psicanálise é a solução que cada um encontra ao seu gozo – a não existência da relação sexual.

E aí que o final de análise é a identificação ao sintoma. Dá-se o nome de sintoma à solução singular não-interpretável que uma pessoa encontra para incluir no mundo a sua satisfação.

Esse sintoma não é decifrável, porque ele não é do mundo, ele é a própria marca da pessoa.

 

Sinopse de Teresa Genesini